Publicado em Pós-UWC

“Empregabilidade”, IB e UWC

Normalmente evito publicar textos meus nas redes sociais, simplesmente porque prefiro a comunicação em pessoa. Muito menos publico textos em português, visto que há mais de 4 anos que não escrevo de uma maneira mais formal na língua, padecendo portanto, de falta de prática. Porém, acho que a situação exige que faça ambas as coisas.

Como resultado de uma conversa, pus me a pensar sobre os conceitos de “empregabilidade”, e do IB, nomeadamente, o IB nos UWC. Tudo o que é escrito a seguir, é o resultado de uma reflexão minha, sujeita a falhas – visto que é a minha visão e opinião que expresso, e não necessariamente verdade.

São várias as críticas feitas tanto aos UWC como ao que não é dito às pessoas que se candidatam aos UWC (muitas das quais são críticas válidas). Uma das coisas que me foi apontada, é que o desafio UWC é tão grande, e tão mais do que académico, que os alunos que se candidatam aos UWC “deveriam ser avisados que a sua posterior entrada em universidades de renome e consequentemente a sua “empregabilidade” estará afectada no futuro”. Isto porque o IB não oferece uma educação tão específica como os A-levels ou o ensino secundário português, e ainda por cima, os UWC e o conceito de acordo com o qual foram fundados, oferecem mais desafios do que o académico, e portanto, privam os alunos de uma maior concentração em disciplinas específicas estritamente académicas e direcionadas para a área de uma “profissão”.

Consigo perceber o raciocínio, mas não concordo com o mesmo. Se bem que por razões que podem não ser necessariamente óbvias.

Vivemos num mundo em que nos queixamos que as pessoas se tornam cada vez mais frias, em que pessoas se queixam de que não há contacto humano. Por exemplo, no outro dia, em Haia, vi uma senhora a jantar com um urso de peluche – leia-se, o urso de peluche e a senhora estavam num encontro, a jantar. O UWC forma seres humanos. Seres que não só sabem ler livros e memorizar matérias, mas como também sabem conviver em sociedade. Oferece desafios como serviço voluntário a comunidades desfavorecidas, e actividades co-curriculares, que ensinam aos alunos a arte de ser humano. Não pensemos por algum momento que o altruísmo, a capacidade de comunicação e o pensamento prático são capacidades inerentes aos seres humanos – são antes capacidades aprendidas. São as últimas as quais os UWC ensinam aos alunos, formando indivíduos que venham a trabalhar para o bem da sociedade em que se inserem, independentemente da área de estudos (ou não estudos) que sigam.

Se no final dos dois anos nos UWC, os alunos não conseguirem completar os exames com notas excelentes, porque estão exaustos -porque falaram com pessoas de demasiadas nacionalidades, porque tiveram de partilhar quartos e casas de banho, porque tiveram que resolver os seus problemas, porque tiveram que ajudar o próximo, porque aprenderam coisas que não vêm nos livros -, e consequentemente não conseguiram entrar para a 1ª melhor universidade do mundo, mas entraram para uma instituição de ensino superior com qualidade… não desesperemos! Porque qualquer que seja a instituição de ensino para que entrem, a estes alunos foi dada a oportunidade de terem a capacidade de tirarem o melhor proveito dos sítios onde se encontram.

Quanto à não especificidade do IB… quando aos 15 anos me pediram a mim, para escolher a “área” para que queria ir, eu escolhi o que ficava bonito no papel: na altura queria ir para médica. Neste momento, 4 anos depois, estudo humanidades, e estou a tirar 2 cursos superiores diferentes… não tenho a mais vaga ideia do que vou fazer a seguir. É, na minha opinião, uma atrocidade pedir a adolescentes que escolham uma área e profissão, simplesmente porque os estamos a limitar. O IB permite que se foque em algumas disciplinas a mais elevado nível, e que no entanto, se tenha uma abertura para outras áreas (línguas, humanidades, ciências, artes). E assim se dá aos alunos a possibilidade de ter um amplo caminho pela frente. Se liberdade é educação, então usufruamos de liberdade por inteiro. Todo o conhecimento do qual somos privados é liberdade que se perde.

Por fim: “empregabilidade”. Este conceito e o de “profissão” são necessários talvez para uma organização ordeira da sociedade, e não questiono que lá esteja por uma razão válida. E sim, é verdade, as faculdades em que estudamos podem eventualmente condicionar-nos ou providenciar-nos oportunidades, mas não pensemos dentro da “caixa”. Mais e mais a nossa sociedade precisa de pessoas que não só são boas numa área específica, como têm outras capacidades desenvolvidas. E se eventualmente uma empresa recusar contratar uma pessoa por causa de ‘x’ pontos académicos, quando esta tem muito mais valências, então eu diria que a empresa não tem muito futuro de qualquer das maneiras.

Os maiores idiotas que conheço (Bernard Lewis, Samuel Huntington, por exemplo) estudaram e ensinaram nas melhores universidades do mundo… não são por isso pessoas mais brilhantes…

Para terminar, aquilo que sou hoje, posso não querer ser amanhã. Felizmente, foi me dada toda a educação e todos os meios para que possa mudar e adaptar-me.

Disclaimer: assim como nada é utópico, não esperem, de modo nenhum, encontrar a utopia nos UWC (eu pelo menos, estive lá, e não a encontrei ) não temos de ser todos iguais, e não temos todos de ir para UWCs para ser altruístas e bons agentes sociais, capazes de se adaptarem – é sim preciso, ter certos ideais em mente.

Hannah Nafize Ahamad Madatali – UWC Atlantic College, Reino Unido (2013-2015)

 

Publicado em Pós-UWC, Short Course UWC

Mortes a conta, peso e medida

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2016.

29 de Agosto, Iémen, 60 mortos.

4 de Novembro, Turquia, 9 mortos.

21 de Novembro, Afeganistão, 32 mortos.

24 de Novembro, Iraque, 75 mortos. (…)

A morte há muito que fez do Médio Oriente um dos seus habitats naturais. Já não há choque, como se de lá tivesse feito morada. A morte há muito que fez do Médio Oriente casa…mas não é aqui que ela pertence…

De cada vez que há um atentado, sujeitam-se a lidar com ele. De cada vez que há um atentado… ah, se procurarem saber, claro. Porque nem todos os ataques têm a “sorte” de chegar aos nossos ouvidos, nem todos os atentados têm a “sorte” de aparecer em todos os nossos noticiários, nem todos os atentados têm a “sorte” de fazer as manchetes dos nossos jornais. Há certas mortes que não esbarram nas nossas caras, não entram pelos nossos televisores dentro, não ficam a pesar no ambiente da sala durante o jantar de família.

É uma discriminação dos próprios crimes. O nosso Diário de Notícias anda tão cheio de inutilidades, que os atentados “lá longe” não merecem relevância – são apenas mais um acontecimento Público de duração Expresso – tão rápida quanto ir buscar o nosso Correio, todas as Manhãs.

Então é necessária uma certa procura pela morte. De cada vez que há um atentado, forcem-se a lidar com ele. Procurem fotos (sim, são chocantes). Vejam vídeos (sim, fazem chorar). Vejam os filhos que perdem os pais e os pais que perdem os filhos. Obriguem-se a sentir este horror, para que nunca ignorem que ele existe. Para que não sejam indiferentes a mortes. Para que nunca recebam essa notícia com naturalidade. Para que vos choque sempre. Para que não passe despercebida. Para que as pessoas não se tornem meros números num rodapé de telejornal. As pessoas não são números. São idosos, adultos, crianças. São muçulmanos, cristãos, ateus. São europeus, asiáticos, africanos. São ricos, pobres, assim-assim. São homossexuais, bissexuais, assexuais, heterossexuais, transexuais. São sírios, belgas, iraquianos, franceses. As pessoas são pessoas, seja qual for o ponto do mundo em que morrem. São os obstáculos que ultrapassaram. São os sonhos que tinham. São o fim terrível e injusto que tiveram. É claro que há umas que nos tocam mais – o factor ‘’promiximidade geográfica’’ entra em acção. E sempre foi mais fácil ignorar a realidade, quando esta é dura. Mas ao não sabermos, vivemos numa realidade à parte… As vidas valem todas o mesmo. Não fiquem tristes só por algumas.

Inês – UWC Shortcourse “Peace by Piece”, Bósnia-Herzgovina (2014)

Artigo originalmente publicado no jornal do ISCSP.