Publicado em UWC Mahindra

Uma Project Week mágica!

Olá, o meu nome é Isabel, tenho 17 anos, sou de Ponta Delgada em São Miguel, Açores e de momento estou no meu primeiro ano no Mahindra UWC, na Índia.

Sendo que já estou há quase 6 meses a viver aqui na Índia, eu pensava que a minha experiência já estava a ser fantástica e que não passava daí até porque aqui no colégio, além da semana de projecto, temos a India Experience Travel Week (em que viajamos para uma cidade de modo a experienciarmos o país ao máximo) e a minha foi para Nova Delhi e foi fantástica, pude ver o Taj Mahal, ver o norte da Índia e muito mais monumentos famosos e super interessantes. Ou seja, o meu primeiro ano, em termos de viagens, já tinha dado tudo o que tinha a dar.

Até que chegou a véspera da minha Project Week, que para quem não sabe, é uma semana que normalmente está relacionada com a nossa atividade de serviço à comunidade, sendo a minha “Nose up”: vestimo-nos e aprendemos a ser palhaços para depois em forma de performance, representarmos problemas atuais ou apenas fazermos pessoas (normalmente pessoas com deficiências) mais felizes! Como estava a dizer, chegou a semana de projeto e descobri que ia outra vez a Nova Delhi para explorar a vida dos Madari, uma tribo de artistas de rua. Claro que estava entusiasmada, está relacionado com actividades que adoro, mas nunca esperei que chegasse a um patamar acima disso!

Depois da viagem de comboio de 26 horas até Delhi (escolhemos comboio porque avião é muito “pesado” em termos ambientais) chegamos ao hostel, que é praticamente uma pousada da juventude e a aventura começou! Fomos para um parque para fazermos umas atividades relacionadas com diferentes culturas para estarmos cientes do contexto que íamos explorar mais tarde e também ficarmos mais próximos como equipa. Quando isso acabou o nosso “guia” (a pessoa que nos ajudou a preparar a viagem e que nos dá dicas para sítios bons onde comer) disse-nos: “Agora quero-vos apresentar Ishamudin, ele está no top 20 de melhores mágicos no mundo”. Bem, eu fiquei mesmo entusiasmada! Enquanto ele nos explicava tudo sobre a sua vida e como ele viajou por todo o mundo para competir e ganhar dinheiro como mágico eu só pensava na sorte que tinha por estar ali. Sempre admirei artistas de rua e tenho noção de que a vida deles é tudo menos fácil mas nunca pensei que iria realmente conhecer a tribo dele (que é praticamente a sua família toda) e poder interagir com eles e fazer mil e quinhentas perguntas. Ele também nos disse que, na Índia, os artistas de rua não têm direitos nenhuns e não têm lugar na sociedade, ou seja, além de ser ilegal ganhar dinheiro ao ser artista de rua (e não é possível, pelo menos por agora, mudar isso), eles vivem em favelas muito pequenas para os 6 mil artistas de rua em Delhi e com péssimas condições. O lado positivo disto tudo é que a maioria da sua família adora fazer magia e ganham dinheiro suficiente para sobreviver bem e até ter coisas como computadores, wifi e viajar um pouco.

Depois, além de nos mostrar um dos seus actos (que foi para além de tudo o que já tinha visto na minha vida!!) o nosso autocarro levou-nos até as tais favelas onde 2 das 7 tribos de artistas de rua (os encantadores de cobras, os cantores, os acrobatas, os que treinam animais, os dançarinos, os mágicos e os “impersonators”) e foi realmente muito intenso… Imaginem uma rua com pequenas “casas” quadradas e com pessoas em todo o lado, crianças nuas, mulheres a tentar limpar o chão embora eu ache que é escusado, imensas moscas a voar e a colar-se a tudo, juntamente com imensos tubos no chão e baldes cheios de água que é das duas uma, ou castanha ou límpida. Vê-se que apesar disto tudo eles são felizes, e que o principal problema é a canalização, cheirava mesmo a fossa e a lixo tudo por causa da falta de canalização. Eles fazem mesmo o melhor que podem para fazer a situação melhor, os seus sorrisos e olás estridentes fazem me esquecer tudo o que há de mau à minha volta. É  também incrível como o ambiente familiar deles, mesmo com as diferenças sócio-económicas e culturais, me faz da minha própria família! Em especial, da minha relação com os meus tios e primos que é muito próxima e especial.

De seguida, pudemos fazer perguntas às duas filhas do mágico Ishamuddin, a Jasmin e a Safira, e deixem me que vos diga, quando as conheci fiquei boquiaberta! A mais velha é a Jasmin e de momento ela está a criar o seu próprio negócio de artesanato (que já agora é lindíssimo o que elas fazem, nunca tinha visto nada igual). Além de ser gerente do seu próprio negócio que dentro de um mês irá ter uma presença online, ela tem tempo de fazer as suas tarefas domésticas (porque o papel da mulher nesta sociedade e na Índia em geral ainda é muito limitado) e ainda aprender várias línguas! De momento ela é fluente em inglês e está a aprender árabe e mandarim! Ela nem chegou ao 5º ano de escolaridade. Nem ela nem a irmã, e ambas têm expectativas fantásticas para a sua vida e são realmente sonhos que se podem tornar realidade, porque têm o apoio a 100% do seu pai, que todo o dinheiro que recebe vai para a internet, para o negócio de artesanato e para a aprendizagem de línguas. São pessoas extremamente interessantes e com valores bastante corretos, e nós todos apenas as vemos como ladras ou aldrabonas que querem roubar dinheiro das pessoas ao ser ajudantes do espectáculo de magia do pai.

É também importante referir que isto de eles serem mágicos é um negócio de família e cada família é uma tribo. Desde que se nasce as crianças são incentivadas a aprender tudo sobre esta arte (até porque é o que os rodeia) mas ao mesmo tempo a ter uma educação na escola, sendo que quando quiserem deixar a escola são livres de o fazer mas se quiserem estudar até à universidade, ninguém os irá parar. Conheci os primos da Jasmin e da Safira que têm 11 e 18 anos e um deles vai seguir a magia como o seu tio e o outro quer estudar animação na universidade e até agora tem dado provas que consegue! E para os que estão a pensar que as pessoas nesta tribo não conseguem pagar esse tipo de educação vejam que já têm 2 membros da família na universidade a estudar teatro e engenharia. Quando falava com eles senti mesmo que tudo era possível!

Hoje tínhamos como plano focarmo-nos num só dos membros desta enorme família (enorme mesmo, têm em média 6 a 8 filhos cada um) e eu fui num grupo e calhamos com o avô. Ele era realmente uma pessoa amorosa apesar de não saber falar inglês e termos que ter o tradutor sempre ao nosso lado. Começou por contar que tinha ido a Paris 3 vezes porque foi convidado para fazer magia nas ruas, mas que não tinha contado a ninguém que ia viajar o que deixou a sua família extremamente preocupada. A sua calma e serenidade enquanto dizia isto fez-me lembrar da minha avó paterna que era exatamente o mesmo tipo de pessoa. No meio de várias histórias engraçadas, foi buscar um albúm de fotos antigas e mais objectos mágicos e intrumentos musicais (eles fazem-nos à mão, têm sons mesmo incríveis e únicos e eu nunca tinha visto nada igual mesmo tendo estado no conservatório durante a maioria da minha vida). Fiquei deslumbrada com as fotos, porque juntamente tinha recibos de pagamentos pelos serviços prestados e documentos de identificação das décadas de 80 e 90. Depois de nos mostrar vários truques, o avô (que se chama Manoj Khan), decidiu mostrar-me (logo a mim!) o segredo do truque, que consistia em separar dois círculos de metal, afinal magia é muito mais inexplicável do que eu pensava! A parte mais importante para mim foi que ele notou que eu estava a praticar o tal truque várias vezes enquanto nós conversávamos então no final deu-me os seus 2 círculos de metal!! Ele tinha vários, mas os que ele me deu via-se que tinham um material diferente, era mesmo o conjunto oficial dele! Fiquei mesmo sem palavras, para ele eu sou uma estranha estrangeira que lhe faz imensas perguntas estranhamente específicas mas como ele viu que eu realmente gostava daquilo e que pratiquei bastante, fez questão de mo dar! Eu nunca me tinha sentido assim, um sentimento de gratidão e de amor às artes performativas veio ao de cima.

No meio disto tudo o nosso grupo foi discutindo (UWC style) o tipo de privilégio que temos, os problemas que eles enfrentam além da canalização e também que tipo de mensagem nós queremos transmitir como visitantes. Também há que referir que cada um faz da sua experiência o que quer, alguns dos participantes não estão a gostar assim tanto (talvez porque só agora é que se aperceberam do seu privilégio) e isto cria uma atmosfera meia estranha e desconfortável para os que estão realmente a adorar, como eu, é algo que acontece na maioria das atividades assim mais diferentes nos UWC.

A caminho da pousada, eu só pensava no porquê de eu ter esta oportunidade e no porquê de eu realmente ter querido candidatar-me aos UWCs e tudo fez sentido. Foi para estas experiências que eu mudei de casa para ir para um país sempre completamente associado a tudo o que é negativo. Foi por isto que sofri o processo de seleção e foi por isto que abdiquei do conforto da minha casa, amigos, família e escola. Apesar da minha vida ser igualmente boa em Portugal, não tem o mesmo sentimento e emoção. Assim consegui sair a 100% da minha zona de conforto e sentir-me confortável por estar fora da minha zona de conforto, por mais estranho que isto soe.

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E foi esta a experiência que mais me marcou nesta viagem, apesar de haverem mais umas 500 por contar. Hoje é quarta-feira, a nossa viagem está longe de terminada e tenho a certeza que daqui só vai melhorar visto que estamos a preparar uma perfomance incluindo estes artistas!

 

Isabel, UWC Mahindra College – Índia (2017-2019)

 

 

Publicado em UWC Changshu China

Project Week!

Acabei de chegar da Project Week e já quero voltar. Quero voltar para sentir de novo a adrenalina do improviso, a satisfação de dever cumprido, o cansaço de noites mal dormidas por razões tão gratificantes, a pura genuidade das crianças.

Project Week (PW) é uma semana em que saímos do colégio em grupos relativamente pequenos (à volta de vinte alunos por cada grupo), supervisionados por dois professores, e dedicamos sete dias a servir. A servir o país que nos recebeu de braços abertos sem pedir nada em troca.

Na minha PW partimos para partes mais rurais da China e voluntariamos em escolas locais, permitindo às crianças contactarem com a língua inglesa, perceberem que há muitas formas de aprender para além da tradicional “sentar e ouvir o professor” e, não menos importante, mostrar-lhes que há mundo para além da vila onde vivem e que há imensas oportunidades à espera deles.

As únicas instruções que nos deram para a PW foram que tínhamos que nos juntar em pequenos grupos e preparar aulas, atividades e um cultural show para fazer na escola onde íamos trabalhar. Para além de Portugal, no meu grupo havia pessoas da China, Indonésia, Madagáscar, Líbano, USA, Irlanda, Nigéria, Albânia, Equador e Tibete.

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A parte pré-PW exigiu imenso trabalho. Tivemos que nos organizar, dentro do nosso grupo, em pequenos teaching groups, dentro dos quais preparámos, autonomamente, as aulas que queríamos ensinar e as atividades que queríamos liderar. A escola que nos foi destinada foi uma escola primária, em que nem alunos nem professores falam uma palavra de inglês.

Quando chegou, finalmente, o dia de meter a mochila às costas e partir rumo a Pulan, em Hebei (Hebei é uma província no Norte da China), estávamos todos numa enorme excitação e com imensa vontade de servir aqueles que mais precisam. A viagem de seis horas de comboio passou a correr. Foram seis horas de incríveis conversas sobre tópicos que nos afetam a todos, como cidadãos do mundo. Divisões e desigualdades entre países do primeiro e do terceiro mundo foi um dos tópicos mais debatidos.

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Depois de chegarmos à residencial em que ficámos alojados, acertámos mais uns detalhes, participámos em algumas atividades de team building e preparámo-nos para, no dia seguinte, acordar às 5:30 da manhã para chegar à escola às 7:30 e pôr os nossos planos em prática.

A nossa estadia na escola teve, sem sombra de dúvidas, um enorme impacto em mim, como aluna de um UWC e como agente de um movimento educativo incrível. Dar aulas a crianças entre o 1º e o 3º ano e lidar com as diferentes situações que surgiram, sem conseguir comunicar eficientemente com os alunos ou professores da escola foi, sem dúvida, um enorme desafio.

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Quando chegámos à escola encontrámos alunos e professores tão entusiasmados por nos receber como nós estávamos entusiasmados por os visitar. Pediram-nos autógrafos e fotografias como se fossemos estrelas de cinema. Foi uma sensação estranha, por vezes desconfortável, mas muitíssimo gratificante.

Preparei 4 aulas com objetivos diferentes que repeti várias vezes durante os dias que lá estivemos a ensinar. Todas as minhas aulas tinham como objetivo, mais do que ensinar-lhes Inglês ou qualquer outra disciplina, abrir horizontes e ajudá-los a sonhar.

Ensinei-lhes, entre outras coisas, nomes de animais, uma música de Halloween, a Macarena, Cotton Eye Joe e tive uma aula 100% dedicada ao tema Paz. Esta última aula foi a que mais me marcou.

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Dividimos a aula em duas partes. Na primeira pedimos-lhes para desenharem, individualmente, o que a palavra Paz significa para eles. Na segunda, pedimos-lhes para arregaçarem as mangas e pintarem com as mãos, nuns cartazes enormes, o símbolo da Paz. Ambas as partes foram divertidas e úteis, mas a primeira foi aquela que eu penso ter tido maior significado. Cada um deles vê Paz com olhos diferentes e expressaram-no de forma incrível, fazendo uso da enorme criatividade que ainda não lhes foi roubada. Um dos desenhos que mais me marcou foi o de uma menina do 2º ano. Para ela, Paz é a China e o Japão dentro do mesmo coração.
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Durante a nossa estadia na escola muito aconteceu. Sentimo-nos tão especiais e, em várias circunstâncias, tão inúteis face às injustiças que acontecem, todos os dias, em tantas partes do mundo, enquanto nós vivemos, descansados, na nossa bolha de privilégio. É impossível verbalizar o quão grata estou por ter podido viver tudo isto.

Depois de uma semana intensíssima, o momento de voltar a casa chegou. Voltámos, felizes e com uma sensação de dever cumprido para o nosso querido UWC. Encontrámos, no portão, os nossos amigos à nossa espera, cheios de vontade de ouvir as nossas histórias de PW e de partilhar as deles. Senti, mais uma vez, que ganhei, aqui, uma segunda família.

Júlia – UWC Changshu China (2017-2019)

Publicado em UWC Li-Po Chun

Project Week no Japão :D

De volta aos updates meio atrasados. Desta vez, sobre a Project Week no Japão!

O bilhete de avião tinha escrito “Japan” e, imediatamente, imaginei templos de monges,samurais por todo o lado e tudo o que é cenário do Doraemon. Sem mais nem menos, aterrámos numa cidade fria, silenciosa, de arrepiar mas também de celebrar, e, acima de tudo, fofinha, fofinha. Parecem adjetivos contraditórios. E até são,mas foi assim que me senti. Porque fomos ao Japão? perguntam vocês… Organizámos a World Peace Youth Conference em Hiroshima (até soamos importantes), sobre o caminho para a Paz e incluindo fatores como energia e armamento nuclear.

Durante uma semana iniciámos a conversa pela Paz mundial, debatemos sob as perspetivas de vários países num Modelo das Nações Unidas – com o objetivo de encontrar “resoluções” para o (des)armamento nuclear a nível mundial – e visitámos monumentos, ilhazinhas, parques, ruas, avenidas, jardins, centros comerciais (claro!), coffee shops e praças num local outrora pintado de negro e encarnado mas que agora vibra com cada cor. Visualizámos vários documentários sob diferentes perspetivas da guerra, ouvimos os testemunhos de alguns sobreviventes e familiares de sobreviventes da bomba, em primeira mão e aprendemos mais sobre Hiroshima e o quão foi devastada pela explosão/radiação de uma das bombas que pôs fim à segunda guerra mundial- como escrito em tantos livros de história praí do sétimo ou oitavo ano, se não me falha a memória. (The Day They Dropped The Bomb foi um dos documentários que visualizámos, recomenda-se)

Outras escolas e colégios se juntaram a nós, incluindo o UWC Thailand. O Diogo voou para o Japão para me ver. Amoroso.

Se algum dia estiverem perto de Hiroshima, não se esqueçam de visitar o Parque da Paz, o Museu da Paz, o Museu da Caligrafia, o castelo de Hiroshima, toquem o sino na estátua de Sadako Sasaki, ponham-se tanto no elétrico como no ferry a caminho de Miyajima, experimentem o sushi, sashimi, rice balls, miso soup, pickled vegetables, dumplings, as panquecas, donuts, pudins e todos os snacks e pratinhos tradicionais em que possam por as mãos. E falem, critiquem, especulem, encontrem-se muito.

Arigatôgozaimasu!

Mariana – Li Po Chun UWC, Hong-Kong (2016-2018)