Publicado em Pós-UWC, Short Course UWC

Mortes a conta, peso e medida

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2016.

29 de Agosto, Iémen, 60 mortos.

4 de Novembro, Turquia, 9 mortos.

21 de Novembro, Afeganistão, 32 mortos.

24 de Novembro, Iraque, 75 mortos. (…)

A morte há muito que fez do Médio Oriente um dos seus habitats naturais. Já não há choque, como se de lá tivesse feito morada. A morte há muito que fez do Médio Oriente casa…mas não é aqui que ela pertence…

De cada vez que há um atentado, sujeitam-se a lidar com ele. De cada vez que há um atentado… ah, se procurarem saber, claro. Porque nem todos os ataques têm a “sorte” de chegar aos nossos ouvidos, nem todos os atentados têm a “sorte” de aparecer em todos os nossos noticiários, nem todos os atentados têm a “sorte” de fazer as manchetes dos nossos jornais. Há certas mortes que não esbarram nas nossas caras, não entram pelos nossos televisores dentro, não ficam a pesar no ambiente da sala durante o jantar de família.

É uma discriminação dos próprios crimes. O nosso Diário de Notícias anda tão cheio de inutilidades, que os atentados “lá longe” não merecem relevância – são apenas mais um acontecimento Público de duração Expresso – tão rápida quanto ir buscar o nosso Correio, todas as Manhãs.

Então é necessária uma certa procura pela morte. De cada vez que há um atentado, forcem-se a lidar com ele. Procurem fotos (sim, são chocantes). Vejam vídeos (sim, fazem chorar). Vejam os filhos que perdem os pais e os pais que perdem os filhos. Obriguem-se a sentir este horror, para que nunca ignorem que ele existe. Para que não sejam indiferentes a mortes. Para que nunca recebam essa notícia com naturalidade. Para que vos choque sempre. Para que não passe despercebida. Para que as pessoas não se tornem meros números num rodapé de telejornal. As pessoas não são números. São idosos, adultos, crianças. São muçulmanos, cristãos, ateus. São europeus, asiáticos, africanos. São ricos, pobres, assim-assim. São homossexuais, bissexuais, assexuais, heterossexuais, transexuais. São sírios, belgas, iraquianos, franceses. As pessoas são pessoas, seja qual for o ponto do mundo em que morrem. São os obstáculos que ultrapassaram. São os sonhos que tinham. São o fim terrível e injusto que tiveram. É claro que há umas que nos tocam mais – o factor ‘’promiximidade geográfica’’ entra em acção. E sempre foi mais fácil ignorar a realidade, quando esta é dura. Mas ao não sabermos, vivemos numa realidade à parte… As vidas valem todas o mesmo. Não fiquem tristes só por algumas.

Inês – UWC Shortcourse “Peace by Piece”, Bósnia-Herzgovina (2014)

Artigo originalmente publicado no jornal do ISCSP.

Publicado em Short Course UWC

“Waves for Change”

Foi rodeada de amigos UWCers (a quem desejo a melhor das sortes nos respetivos colégios), e com Portugal a ganhar a meia final do Euro, que recebi o email que me informou que tinha sido selecionada para um short course ao qual me havia candidatado, no UWC Mostar.

O tema, movimentos sociais, despertou a minha atenção quando tomei conhecimento da existência deste curso. É um tema que, a meu ver, tem imensa importância para que o mundo possa evoluir e mudar. Fez todo o sentido, tendo em conta a importância da mudança na cidade, e no país onde o curso teve lugar, e também pelo facto da UWC ser, no fundo, um movimento social.

Por isso, dia 11 de agosto começou a minha mini jornada UWC. Às 6 da manhã apanhei um avião para Munique, onde conheci a Pia e a Goya, que faziam parte do curso. Em Sarajevo, comecei a aperceber-me do quão diferente da minha realidade era aquele local. Uma coisa que me marcou bastante na viagem foi perceber que, embora tão perto, a Bósnia e Herzegovina está bastante longe daquilo que consideramos a “realidade europeia”. Buracos de bala nas casas que hoje as pessoas habitam, edifícios bombardeados, um país que ainda não recuperou daquilo que lhe aconteceu há 20 anos.

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“The old bridge”, o símbolo de Mostar

Cheguei ao meu destino final, Mostar, 3 horas depois de sair de Sarajevo. A certo ponto, comecei a viajar ao lado de um rio, com uma cor que não posso esquecer. Chegada lá, conheci outras das pessoas com quem iria partilhar a fantástica experiência que foi o “waves for change”.

Mostar é uma cidade marcada pela diferença. As pessoas rotulam-se como bósnios e croatas, e apesar de partilharem a bela cidade onde vivem, não partilham o espaço em que habitam, trabalham, ou têm momentos de lazer (a cidade está literalmente dividida em dois). Impressionou-me bastante sentir como, em pleno século XXI, ainda nos podemos dividir desta forma, como ainda não aprendemos o suficiente com o passado.

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O edifício do UWC Mostar e Mostar gymnasium, onde tivemos a maioria dos nossos workshops

O short course que frequentei foi organizado por alunos UWC, a maioria de Mostar. Agradeço-lhes todo o trabalho e tempo que investiram em fazer-nos viver a chamada “UWC life”, aprender sobre movimentos sociais, e, ao mesmo tempo conhecer o intrigante país que a B&H é, conseguindo interligar tudo.

Tivemos diversos workshops, com um método de aprendizagem algo diferente daquele a que estou habituada. Os oradores interagiam connosco, propunham-nos tarefas e questionavam-nos. Partilhavam connosco as suas histórias, o seu trabalho, a sua realidade.

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As noites passadas a jogar UNO

Nos tempos livres, aprendi tanto como nos workshops. Estava com jovens de todo o globo, com diferentes vivências, com tantas histórias e pontos de vista para partilhar.

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A nossa cultural evening

Houve espaço para atividades menos teóricas, e não relacionadas diretamente com o tema do curso, em que tivemos a oportunidade de conhecer os outros, dar a conhecer-nos e conhecer o local: os umbrella groups, grupos de reflexão ao final do dia; a nossa cultural evening, em que tivemos a oportunidade de partilhar parte da nossa cultura com os outros participantes e facilitadores (e também com os second years que iam chegando e com quem íamos estabelecendo amizades); a noite de story telling, em que todos nos sentámos no parque e tivemos a oportunidade de partilhar algo sobre nós; o service day, em que prestamos serviço à comunidade; a bonfire night, a última atividade do curso, momento em que tivemos a oportunidade de estar todos juntos e conviver na praia; e as visitas a Kravice e a Sarajevo.

Palavras (ou fotografias) não conseguem, contudo, mostrar o que esta experiência significou para mim, ou tudo aquilo que em 10 dias aprendi e cresci. Guardarei para sempre todas as aventuras, desafios e todas as maravilhosas pessoas com quem me cruzei, que espero reencontrar.

Leonor – Shortcourse UWC “Waves for Change” in Mostar